Para a Inconfidente Bárbara
Eliodora Guilhermina da Silveira
e aos mártires da Liberdade
1º
Ouso,
atrevo-me e escrevo as palavras proibidas por Rainer Rilke.
Assim,
digo dos amores perdidos, roubados, traídos, esquecidos.
Numa
licença poética, teço as dores para as quais
os
boticários não têm poções, fórmulas.
2º
Dores
de perdidos amores são de difícil manipulação...
só
o tempo... só o tempo... trará a cura para essas chagas.
Isso
é castigo que à dor me dá. É sina, é sino que se quebra
e
perde a melodia, torna-se em chacota e silêncio...
e
o sineiro, entristecido, perde, assim, o seu precioso ofício,
já
não o toca. Dele partido, sem qualquer sonido, batida,
eia
pois, o coração.
3º
A
traição, então, é punhal laminado, no peito cravado, ferrado.
Distante,
um dia, haverá um olhar, ele brilhará
após
as densas nuvens de lágrimas.
4º
Lágrimas
vertidas desejam expulsar em gotas
o
mar de dores no tórax, o qual desemboca no rio da vida
ou
nas turvas, pútridas águas da morte.
5º
Foi
assim: deitaram-se juntos, comeram, riram, festejaram,
viram
filmes, até os desentendimentos,
até
visitarem a sórdida Babilônia,
sem
mais jardins, sem flores.
Por
esses nubentes, nem os pequenos sinos repicam mais.
6º
Resta
ao pároco, ao moribundo dar-lhe uma extrema-unção,
também
às flores do mal, sobre as quais outras,
nem
sei se bem ou mal, nascerão.
É negra, negra, negra a
presença
do
sofrimento nessa Senzala, que me aponta os versos,
as
faces de Marília, de Dirceu.
de te buscar;
porém não vejo
mais que o desejo,
sem esperança
de te encontrar.
7º
Numa
forca foi o meu sentimento degolado, asfixiado,
agora
ai de mim ausente, triste somente,
que
as horas me dão solidão, elas me põem o peito em suspiros.
Em
bálsamos desejaria o corpo e a alma, inteiros, mergulhados.
8º
A
traição engendrou a morte da Liberdade, ela,
em moinhos triturou sonhos.
Sobre
eles um Queluz, uma Barca, pairam suspensos
acima
dos restantes sentimentos.
Dessas
treze cruzes desse mundo vil
gotejam
sangues, histórias, preces, memórias...
e
um anjo toalheiro vem secar a minha fronte transpirante,
amparar
o peito arfante.
9º
Sinto-me
aleijado com esse flagelado coração,
nestes
dias de perdição.
Esculpirei,
destarte, em detalhes, um novo órgão,
que
possa tocar o prazer, tocar o azul celeste
de
minhas acalentadas ilusões, o que de joelhos
peço
em meu oratório.
Evite-lhe a ocasião,
Que os males por si virão,
Sem ninguém os procurar,
E antes que ronque o trovão,
Manda a prudência ferrar.
10º
Pois,
embora diluso, nem sei de ir-me, do viver...
Sigo
enlouquecido de esperança!
De
girassóis e de ouro cravejam-se as estações celestiais,
além
de vida e de ressurreição.
Frente
ao espelho, com prudência, vestido de primavera, vai
um
infante subindo e descendo, da vida mal sabendo as ladeiras.
Vida
de amores não é brincadeira...
Ninguém soletre feições,
Que sempre há de enganar;
Das caras a corações
Há muitas léguas que andar.
11º
O
amor romântico, um ouro preto, pedra bruta
por
lapidar. Amor mesmo é raro topázio imperial
e
coroa as frontes dos veros amantes
numa
vila rica das cardeais virtudes.
12º
Os
sinos repicam, tocam, dobram.
Sob
vinte e sete sagrados sons encontro o Graal.
Neste
instante, no peito outrora arfante,
pende
uma cruz seráfica, com os seus três pares de asas
e
elas me levarão aos versos sublimados.
13º
Vejo
Serafins, ardentes em sacros-fogos, eles olham por mim.
De
tão perto, Lúcio e Bona avistam-me
com
os seus bem-casados olhos pios.
Provavelmente, a
primeira poetisa brasileira, cronologicamente,
da
qual se têm registros.
Codinome: Machado e Silva
(By: Ismael Machado)
Do livro Quatro Estações, 2018, Alfa Editora.
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Como sempre, pairando palavras- flores nos espinhos dos versos, que ferem a suposta paz das consciências em estado de indiferença.
ResponderExcluirPalavras-flores, espinhos nos versos... há tudo isso contido no poema, rsrs. Grato pelo comentário. Abraço, Ismael.
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