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quinta-feira, 21 de abril de 2022

Vila rica de ouro preto

Para a Inconfidente Bárbara Eliodora Guilhermina da Silveira

e aos mártires da Liberdade

 

Ouso, atrevo-me e escrevo as palavras proibidas por Rainer Rilke.

Assim, digo dos amores perdidos, roubados, traídos, esquecidos.

Numa licença poética, teço as dores para as quais

os boticários não têm poções, fórmulas.

 

Dores de perdidos amores são de difícil manipulação...

só o tempo... só o tempo... trará a cura para essas chagas.

Isso é castigo que à dor me dá. É sina, é sino que se quebra

e perde a melodia, torna-se em chacota e silêncio...

e o sineiro, entristecido, perde, assim, o seu precioso ofício,

já não o toca. Dele partido, sem qualquer sonido, batida,

eia pois, o coração.

 

A traição, então, é punhal laminado, no peito cravado, ferrado.

Distante, um dia, haverá um olhar, ele brilhará

após as densas nuvens de lágrimas.

 

Lágrimas vertidas desejam expulsar em gotas

o mar de dores no tórax, o qual desemboca no rio da vida

ou nas turvas, pútridas águas da morte.

 

Foi assim: deitaram-se juntos, comeram, riram, festejaram,

viram filmes, até os desentendimentos,

até visitarem a sórdida Babilônia,

sem mais jardins, sem flores.

Por esses nubentes, nem os pequenos sinos repicam mais.

 

Resta ao pároco, ao moribundo dar-lhe uma extrema-unção,

também às flores do mal, sobre as quais outras,

nem sei se bem ou mal, nascerão.

É negra, negra, negra a presença

do sofrimento nessa Senzala, que me aponta os versos,

as faces de Marília, de Dirceu.

 

 ...cansa-me a vista

de te buscar;

porém não vejo

mais que o desejo,

sem esperança

de te encontrar.

 

Numa forca foi o meu sentimento degolado, asfixiado,

agora ai de mim ausente, triste somente,

que as horas me dão solidão, elas me põem o peito em suspiros.

Em bálsamos desejaria o corpo e a alma, inteiros, mergulhados.

 

A traição engendrou a morte da Liberdade, ela,

 em moinhos triturou sonhos.

Sobre eles um Queluz, uma Barca, pairam suspensos

acima dos restantes sentimentos.

Dessas treze cruzes desse mundo vil

gotejam sangues, histórias, preces, memórias...

e um anjo toalheiro vem secar a minha fronte transpirante,

amparar o peito arfante.

 

Sinto-me aleijado com esse flagelado coração,

nestes dias de perdição.

Esculpirei, destarte, em detalhes, um novo órgão,

que possa tocar o prazer, tocar o azul celeste

de minhas acalentadas ilusões, o que de joelhos

peço em meu oratório.

  

Quem quer males evitar,

Evite-lhe a ocasião,

Que os males por si virão,

Sem ninguém os procurar,

E antes que ronque o trovão,

Manda a prudência ferrar.

 

10º

Pois, embora diluso, nem sei de ir-me, do viver...

Sigo enlouquecido de esperança!

De girassóis e de ouro cravejam-se as estações celestiais,

além de vida e de ressurreição.

Frente ao espelho, com prudência, vestido de primavera, vai

um infante subindo e descendo, da vida mal sabendo as ladeiras.

Vida de amores não é brincadeira...

 


Neste tormentoso mar
D'ondas de contradições,

Ninguém soletre feições,

Que sempre há de enganar;

Das caras a corações

Há muitas léguas que andar.

 

11º

O amor romântico, um ouro preto, pedra bruta

por lapidar. Amor mesmo é raro topázio imperial

e coroa as frontes dos veros amantes

numa vila rica das cardeais virtudes.

 

12º

Os sinos repicam, tocam, dobram.

Sob vinte e sete sagrados sons encontro o Graal.

Neste instante, no peito outrora arfante,

pende uma cruz seráfica, com os seus três pares de asas

e elas me levarão aos versos sublimados.

 

13º

Vejo Serafins, ardentes em sacros-fogos, eles olham por mim.

De tão perto, Lúcio e Bona avistam-me

com os seus bem-casados olhos pios.

 
 Ouro Preto (MG), 19.05.2015.

 (*) As estrofes, em itálico, são de autoria da homenageada. 

Provavelmente, a primeira poetisa brasileira, cronologicamente,

da qual se têm registros.

 

Codinome: Machado e Silva 

(By: Ismael Machado)

Do livro Quatro Estações, 2018, Alfa Editora.


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Comentários 

2 comentários:

  1. Como sempre, pairando palavras- flores nos espinhos dos versos, que ferem a suposta paz das consciências em estado de indiferença.

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  2. Palavras-flores, espinhos nos versos... há tudo isso contido no poema, rsrs. Grato pelo comentário. Abraço, Ismael.

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