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domingo, 27 de março de 2022

Da feitura do pó da Terra

Nesse dia 28.03, ao completar mais um ano de vida eu me torno um tanto mais consciente da minha finitude, do pó da Terra de que sou feito.

Nesse instante existencial em que vou compondo os meus passos, sobretudo, sou grato pelo fôlego de vida e pela minh'alma que acredito ser o meu eu. Sou grato ao autor da vida pelas cores que tem pincelado em mim!

Com alegria eu celebro a existência, sob dias de sol, céu, mar, sob a luz do luar, rodeado de pessoas sob o teto do afeto e, também, ao lado de pássaros que me fazem voar nos versos mais singelos que vou escrevendo nas areias do caminho...

Quanto aos meus demais dias, rogo ao divino Espírito, pois gostaria de vivê-los, do modo mais simples que eu souber, em estado de poesia!

Um grande abraço a você, Ismael. 
 

A busca de Dom Quixote

Sonhar o sonho impossível,
Sofrer a angústia implacável,
Pisar onde os bravos não ousam,
Reparar o mal irreparável,
Amar um amor casto à distância,
Enfrentar o inimigo invencível,
Tentar quando as forças se esvaem,
Alcançar a estrela inatingível:
Essa é a minha busca.

Dom Quixote

quinta-feira, 24 de março de 2022

O que a arte não é...

"A arte não é um espelho 
para refletir o mundo, 
mas sim um martelo 
para forjá-lo."

(Autor desconhecido)

terça-feira, 15 de março de 2022

Eu posso ver claramente agora...

Eu posso ver claramente agora que a chuva se foi
Eu posso ver todos os obstáculos no meu caminho
As nuvens pretas que me deixavam cego já se foram

Será um brilhante (brilhante)
Um brilhante (brilhante) 
dia de Sol
Será um brilhante (brilhante)
Um brilhante (brilhante) 
dia de Sol

Sim, eu vou conseguir agora que a dor se foi
Todos os sentimentos ruins desapareceram
Aqui está o arco-íris pelo qual eu tanto rezei
Será um brilhante (brilhante)
Um brilhante (brilhante) 
dia de Sol

(Ooh) Olhe ao redor, não há nada além do céu azul
Olhe bem à frente, não há nada além do céu azul
Eu posso ver claramente agora que a chuva se foi
Posso ver todos os obstáculos no meu caminho

Aqui está o arco-íris pelo qual eu tanto rezei
Vai ser um brilhante (brilhante)
Um brilhante (brilhante) 
dia de Sol
Vai ser um brilhante (brilhante)
Um brilhante (brilhante) 
dia de Sol

Jimmy Cliff

domingo, 6 de março de 2022

Solo le pido a Dios

 
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Ao povo Ucraniano

Eu só peço a Deus
Que a dor não me seja indiferente
Que a morte não me encontre um dia
Solitário sem ter feito o que eu queria
 
Eu só peço a Deus
Que a injustiça não me seja indiferente
Pois não posso dar a outra face
Se já fui machucado brutalmente
 
Eu só peço a Deus
Que a guerra não me seja indiferente
É um monstro grande e pisa forte
Toda pobre inocência desta gente
É um monstro grande e pisa forte
Toda pobre inocência desta gente
 
Eu só peço a Deus
Que a mentira não me seja indiferente
Se um só traidor tem mais poder que um povo
Que este povo não esqueça facilmente
 
Eu só peço a Deus
Que o futuro não me seja indiferente
Sem ter que fugir desenganado
Pra viver uma cultura diferente
 
Solo le pido a Dios
Que la guerra no me sea indiferente
Es un monstruo grande y pisa fuerte
Toda la pobre inocencia de la gente
 
León Gieco
 

sábado, 5 de março de 2022

A poética do banho, de Lucilene Machado

Há alguns dias ando a pensar sobre a poética do banho. O que nos ensinaram a respeito? O que a cultura plantou na raiz dos nossos cabelos sujos? Desde pequena ouvi: “se não tomar banho, não vai passear!”  e depois aquela negociação para se integrar, ou não, ao mundo dos limpos: “banho bem quentinho, então!”. Não existiam em casa chuveiros elétricos, a água, já amornada, era posta em um  balde que, pendurado numa corda,  por meio de uma carretilha era posicionado no teto do banheiro.  No centro do balde havia um chuveirinho lento que soltava a água aos pouquinhos e uma pequena torneira para ser fechada durante a esfregação. Ainda assim, não poucas vezes, ao final da água, o corpo ainda luzia a espuma do sabão (sabão de coco) e aí tinha de me enxaguar com água fria mesmo, jogada com caneca pela mãe, sem o morno da meia-chaleira de água fervente incorporada ao balde. Minha mãe me procurava entre os cabelos longos e fartos para ver se estava tudo limpo e cheiroso. Nunca estava! Devo dizer que minha mãe me salvou do animal fedorento que ameaçava crescer em mim. Por orientações não muito ideológicas, ela contava histórias de moças encardidas que não encontraram maridos porque não gostavam de banhos. E eu me esfregava muito, com bucha e sabão, para não ficar solteirona – e não fiquei!

Mas isso é uma outra história da qual a estética do banho não me salvou, veio o marido, a violência, o divórcio e nunca mais eu quis casar. Mas o banho com bucha e sabão é lei. Bucha vegetal, das que minha mãe plantava no quintal de casa, as outras não têm o poder de limpar a sujeira invisível que fica atrás da orelha, entre os dedos dos pés e onde o foco dos olhos não chega. A sujeira invisível se não for bem limpa se transforma em ferida e aí a dor, ao banhar-se, é muito maior. Uma dor que vai além da dor. Arde, macera o lugar e dói no corpo por inteiro. A água molha a pele em silêncio, como o faz a chuva. Molha e escorre. Ficam as gotículas nas paredes, fica uma gotinha de lágrima perdendo o seu sal, fica a gente a deparar-se consigo mesma, fica a pergunta: somos os mesmos quando nos fechamos neste pequeno espaço e nos desnudamos de tudo e de todos? Como somos nesse momento em que sentimos o corpo muito mais existente em si mesmo, muito mais vivo, proprietário de segredos e sentidos? Como nos sentimos neste pequeno espaço de solidão onde o individualismo desce líquido e absoluto?

O banho ainda é um bom lugar para lavar as dores. Esfregar as marcas com uma bucha molhada até apagar seu lugar no espaço do corpo. Talvez isso não seja possível em uma única vez, quando a dor está nos lugares invisíveis é necessário se meter dentro da cabelereira farta e ficar assuntando, sentindo, cheirando...porque a dor pode ser o resultado da incongruência dessa luminosidade opaca do mundo dos limpos. Luminosidade que moraliza as consciências e oprime as emoções verdadeiras.

A nossa condição nesta vida é de solidão, mas o que se espera de todos é uma condição de integração, de bons relacionamentos, de conexões profissionais, de amizades, entre outras tantas. A literatura nos sinaliza a necessidade de interagir antropofagicamente com o outro como uma forma de sobrevivência, mas pouco sabemos da dimensão verdadeira da solidão do ser, ao nos vermos desprovidos de coisas para oferecer ao outro, para que de fato essa barganha aconteça. Daí o afastamento. Desse modo, a maioria dos humanos vive sem trocas, sem perceber a importância desse gesto de viver, sem alimentar e sem se alimentar de quem está ao seu lado. A vida passa a ser um banho solitário. As forças da estrutura social se aproveitam disso e derramam sobre nós os seus unguentos aromáticos e nos transformam em seres prontos para passear, fetiches andantes, limpos e esvaziados diante das vitrines do mundo. 

Ao me propor abrir o chuveiro e deixar escorrer sobre o corpo essa fartura de água filosófica, me permiti pensar demoradamente sobre o movimento da mesma no mundo contemporâneo. A dialética do banho reside nesse seu vazio pleno que nos conduz aos sonhos e aos desencantos. Álvaro de Campos, em conhecido poema, traça uma dicotomia entre o mundo dos sujos e dos limpos, e o eu lírico se declara como indesculpavelmente sujo, sem paciência para tomar banho e que tem enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas e que toda a gente que ele conhece nunca sofreu enxovalho e nunca foi senão príncipe, todos eles príncipes, certamente no mundo dos limpos. 

Isso é um paradoxo para nós que nos sentimos os mais limpos do mundo. Aqui a vida cheira a água sanitária. O que percebemos com Fernando Pessoa e muito mais adiante no movimento literário “Realismo sujo”, é que a partir dos amores e desamores, das emoções em todos os níveis, dos erros e acertos, vamos elegantemente nos “ensujando” pela vida afora. O que não implica os âmbitos da higiene, mas, talvez seja interessante terminar essa crônica com o banho dos indígenas, com o prazer puro e incondicional do banho coletivo, um ritual sem imposição, sem adereços e em uma simbiose total, integrando  natureza, corpo e emoção. Quiçá, até aproveitar a delicadeza desse rito poético e lavar a alma. 

Lucilene Machado