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domingo, 30 de outubro de 2022

Símbolo da Paz

Que o Verde-Brasil das nossas matas, com modos republicanos, ele (o verde) e elas (as matas), por augusto dever, sejam preservados para as gerações e gerações de brasileiras e brasileiros.


Que o amarelo-ouro das ricas terras indígenas não caia nas meras mãos de garimpeiros mercurizados.

1a. Bandeira do Brasil Império,
ainda com a coroa Real, durou poucos meses.

Que o azul-anil dos nossos mares, dos céus do Brasil, seja cuidadosamente exaltado, elevado aos céus dos nossos mais caros sonhos.

2a. Bandeira do Brasil Império,
já com a coroa Imperial e 19 estrelas, 
de 1822 a 1835.

As cores verde e  amarelo, cujas raizes vêm dos brasões dos Braganças e dos Habsburgos, reais famílias plantadas em solo pátrio. Cores essas transplantadas para a República e seus intentos.

3a. Bandeira, do Brasil Império, 
com 20 estrelas, de 1835 a 1889.

Vultoso o afeto em nosso peito varonil, do alto desse imenso pavilhão  contemplamos o futuro com justiça, com amor pelo povo demasiado sofrido. 


E esse céu no qual o branco-rei se dobra ao azul-majestoso, cuja paz transcende as dores ou festas, que excede toda serenidade.

Bandeira da República do Brasil,
de 1889 até hoje. 

Sagrado símbolo, pendão da esperança, esplendor das estrelas, que o seu significado jamais, por partidarismos, seja ultrajado.


Nessa amada terra há de progredir o positivismo comteano, o qual não agride a ordem natural dos rios que lavam o bem, que seguem com absoluto respeito à natureza das coisas mais simples.

Ismael Machado

Bandeira Brasileira Estilizada 

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

What’s on Earth

Há suicídios em ocas vazias de sentido.
Há desolações pungentes
em corações outrora ardentes.
Há mãos famintas pedindo migalhas.

Há guerras e rumores, dominações
e políticos sem pudores.

Há crimes, prisões, desmatamentos,
decepções, dores, sofrimentos e frustrações.
 
Entretanto, muito além desse tormento,
também tem alguma esperança
brilhando nos olhos inocentes daquela criança.
 
Ismael Machado

terça-feira, 25 de outubro de 2022

Supostas prisões

Há prisões neste mundo, em doenças,
que prendem os moribundos
aos seus leitos de dores, dos quais
somente a morte vem libertar depois.

Há prisões que badalam os seus sinos,
chamando os inocentes ou pobres pecadores
às suas celas de doutrinas,
para as quais os incautos prisioneiros
caminham ainda cheios de esperanças.

Há prisões em si mesmo, as quais prendem mais
do que as grades de metais das cadeias,
donde é difícil se soltar. Necessitam psicólogos,
psiquiatras, quais carcereiros, para ajudar
na soltura de traumas e tramas
das celas escuras do inconsciente.

Há prisões em transtornos e em suas literais pretas tarjas.
 
Ismael Machado

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

De pirata, esse coração

Coeur de pirate não tem pena de mim, 
de ninguém, em altos mares, 
traições e tormentas,
e esse medo do mar, esse medo de amar,
que me afugenta e fujo e navego
e singro introverso ou contra o verso.

Poemas são cartas controversas
endereçadas ao meu coração,
serão lidas sim, por toda uma vida.
 
Quero ser e estar livre em cada estrofe.
Libertas quae será tamen eis o meu lema, 
de modo inconfidente,
agora confesso,
pois em cada linha eu o professo.

Ismael Machado

domingo, 23 de outubro de 2022

Rosas mudas

As rosas já nem choram mais, cansadas, estão caladas, 

emudecidas, não dizem nada, nenhuma queixa sequer.
Sem o seu perfume, as rosas meramente brilham
aos olhos lacrimejados, sem a sua beleza, o sorriso
ficou perdido na mente, sem qualquer (en)canto.
 
Por certo, essas mesmas rosas, emudecidas ao meu lado, 
serão depositadas em lágrimas sobre o meu caixão!
N’outras paragens, quiçá numa vida desconhecida,
com outras rosas, reflorescidas, minh'alma cantará.
Outra vez, ali, talvez, baterá meu coração e daqueles olhos,
de chorar, tristonhos, com esperanças, ressurgirá outro sol
que os olhos tresloucados, desmesurados, decerto, verão.
 
Ainda me pergunto, sobre isso, nesse lugar insabido,
o que será que as rosas dirão?
 
Ismael Machado

sábado, 22 de outubro de 2022

Sonhos nos desvãos

 

Pipas são esqueletos voando,
libertos, nas amplitudes celestes.
Elas vertem lágrimas 
pelas linhas,
caem feito chuva, 
arrefecem a aridez.
 
Pipas não entendem 
de políticas,
mas visitam os poemas envaretados
e fazem deles os seus partidos.
 
Minha pipa eu a empunho 
com palavras,
eu a vejo subir sonhando, delirando
e nenhum cerol ditatorial 
a poderá cortar.
 
Mágicos braços empunham minha pipa,
com ela possuo o céu em minhas mãos, 
possuo a terra, sem esses humanos desvãos.
 
Ismael Machado

sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Na Casa da Poesia


Violetas tristes olham-me com os seus versos póstumos,
roxos duma saudade, ali, elas, depostas sobre o meu corpo,
morto, num ataúde, gélido, para sempre adormecido
e depois sepultado num jardim fechado, em névoas,
onde florescerá em novas flores, em novas estrofes,
plenas de natureza, de um’outra beleza no rumo
do fim do exílio ao longo deste mundo, lá onde
as borboletas eternas irão poisar circunspectas.
 
Bem sei que irei além dessa névoa ou nada,
serei colocado na terra, ao lado duma sequoia milenar,
serei plantado no solo fértil do coração dos leitores
ávidos de toda beleza. Sinto quanto é curto o amor,
tanto longo, dele, o olvido, daquela pungente dor.
 
Ismael Machado

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Areia x Asfalto


...Olhando pra rua
me vejo criança
me vejo menina
deitada na areia
brincando na areia
fazendo castelos
castelos de areia...

Me sinto mulher
e olho pra rua...
Ah eu tenho desejos
(ah! desejos impossíveis)
de ser outra vez criança
de deitar na rua
de brincar na areia
de fazer castelos
castelos de areia...

Hoje só me restam os castelos
de areia!

Flora Thomé

sábado, 15 de outubro de 2022

Dia do(a) Educador(a), 15.10


Se é possível obter água cavando o chão, se é possível enfeitar a casa, se é possível crer desta ou daquela forma, 

se é possível nos defendermos do frio ou do calor, se é possível desviar leitos de rios, fazer barragens, 

se é possível mudar o mundo que não fizemos, ou a natureza, enfim, por que não mudar o mundo que fazemos: o da cultura, o da história, o da política?

Paulo Freire

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Toda janela é um pouco segredo

Toda janela é um pouco segredo, um pouco desejo, um pouco calmaria, um pouco magia - promessa de amplidão.
 
Toda janela tem uma história, memória gravada no coração.  Toda janela é um livro de ler paisagem.

Miryan Lucy Rezende

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Lágrima de preta

Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:
Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.

Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.

António Gedeão, "Poemas escolhidos", Lisboa, Sá da Costa, 1997.

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Sobre linhas e letras

 

Faz um tempo eu quis compor versos que alongassem a vida, fossem além do esquife do tempo.

Naquele tempo te vi tão linda que o vento sussurrou em meus olhos toda uma imensa juventude, cabelos negros e flores tenras.

As flores viverão sempre belas nesses versos, na luz desses olhos claros, ainda que ressequidas de memórias e guardadas em escrínios.

Eu sou um só, sou só um eu. Perto do fim está o começo, e o amor ainda estava lá no princípio dos seus e dos meus dias. 

Faz um tempo, eu juro, eu compus longos versos, ainda mais longos que os seus cabelos, e eles, os versos, não tinham um fim.

Aquele livro ainda está aberto e os sonhos, de per si, caminham sobre suas linhas e letras.

As linhas se levantam e as letras falam aos homens, querem lhes ensinar lições para viverem bem os seus breves dias tortos.

Ismael Machado

sábado, 1 de outubro de 2022

O anjo, o espantalho e alguns relatos esparsos, por André Alvez

André Luiz Alvez

Estava pensando nessas linhas no dia do meu aniversário, mas a febre de escrever chegou e fevereiro está longe, então lá vai, desde o começo: Quando eu nasci, não veio um anjo alado tocando trombeta. Meu anjo era um fantasma corcunda, ligeiramente estrábico, calvo, barba branca e falhas no par de asas. Por onde caminhava, deixava cair penas quase brancas. Portanto, um anjo totalmente diferente do da Adélia Prado. Carregar bandeira? Nem pensar. O meu anjo era do tipo sincero demais, sem que ninguém lhe perguntasse, olhou para a minha mãe e disse: “não vai viver muito tempo, é todo torto e não sabe nem chorar”. Errou feio, logo chegarei aos sessenta anos e aqui estou, escrevendo as memórias esparsas, mistura de sonho com realidade, imaginando como pode ter sido o meu nascimento, embora daquilo tudo só saiba que minha mãe quase morreu e, sim, eu sei chorar, só me escondo, às vezes. 

Num dado momento, o velho anjo se convenceu que eu podia caminhar e tentar viver. De início um enorme abismo, sem chances de saltar. Ele deu de ombros, riu, falou que tinha avisado, “um sujeito torto não tem muito futuro”, foi falando e caminhando estabanado, espalhando as penas pelo caminho. Passos atrás dele, segui agachando e apanhando todas as penas enquanto prestava atenção na viagem. *Anjo das asas cansadas, passadas pesadas, contornou o abismo e eu segui atrás, até ultrapassar a escuridão.*

Vou deixar essa história do anjo para o final, porque a imagem de um espantalho, já faz dias, vem se mostrando diante dos meus olhos incrédulos. Por mais que eu lhe peça para desaparecer, continua me atormentando. Muitas pessoas adoram o espantalho e eu custo a crer no que deles escuto: “espantalho, espantalho, espantalho!” Esgoelam, aqui, no enterro da majestade, nos sombrios castelos, na fria Nova York. Na clínica dentária reina o silêncio. Todos com os olhos grudados no celular. Ultimamente tenho me punido por prestar atenção demais no celular e, muitas vezes, não enxergar o que é real. E se a tecnologia avança e ao invés de gente só encontrarmos os robôs? Robôs não têm sentimentos. Mas o mundo virtual aceita a entrada dos humanos. E lá a gente pode voar, amar quem quiser, sentir prazer sem ser real. Talvez não seja ruim. Sou um tanto apegado em coisas que não existem. Uma moça usando máscara passa diante de mim. Meus amigos morreram e não pude fazer nada, a morte invisível os levou e o espantalho sorriu, tossiu, gargalhou.

Desde muito tenho a mania de olhar a pessoa e imaginar como foram quando criança e como serão no futuro. O sujeito magro, com o corpo estirado na lateral do sofá, quando criança era esperto, arteiro, subia nas árvores. Como ele será quando a velhice chegar? Morre antes de tanta magreza? Ele sorri para o celular e o defino de vez: vida longa, não existem velhos gordos, são sempre magros, iguais a ele. Sim, chegará próximo dos noventa. Quantos anos tem agora? Cinquenta, talvez. Tem mais quarenta pela frente. Mas pode ser que um tijolo lhe caia na cabeça ao atravessar a rua. “Senhor Maurício” grita a atendente, o magricela se levanta calmamente, passa por mim e sinto uma vontade quase irresistível de lhe pedir para tomar cuidado com os tijolos da vida. As mulheres das casas dos telhados rosas foram atacadas, os de pele de chocolate foram mortos a tiros de fuzis, e o que eu escuto? “espantalho, espantalho, espantalho!” Lá fora um bando de pássaros rodeia as árvores. Pássaros são instrumentos musicais que voam. Eles aprendem a voar sozinhos. E eu custei a andar. E se os homens pudessem voar?

Meu amigo que compõe versos murmura escondido, espantalho, espantalho, espantalho! Como você consegue pensar nas rimas do seu poema se lá fora a vida castiga a minoria tentando se esconder do espantalho? O zumbido, a obturação, a tortura. Saio sentindo o vento da liberdade. Duas moças caminham pelo canteiro da grande avenida. Conversam, trocam ideias, sorriem e bebem água. No lugar do celular, carregam garrafinhas de água. Sinto sede. Tenho esse costume besta, não posso ver ninguém bebendo que sinto sede, não posso ver ninguém comendo e também quero mordiscar a mesma comida. Desconhece a fome quem nunca sentiu o estômago roncar. O espantalho e seus asseclas ignoram a falta de comida, comam ossos, aprendam a pescar, tem muita fruta nos pés de manga, eles dizem, enquanto salpicam a picanha ardendo na brasa.

Uma criança na janela no carro ao lado sorri para mim. É loira encaracolada, uma rosa presa aos cabelos. O que será quando crescer? Uma médica, imagino. E se fosse uma criança preta? Eu pensaria num futuro bem mais difícil do que essa que balança as mãos rosas num definitivo adeus. E se não existissem cores nas peles, se fôssemos todos invisíveis? Seria tão melhor... E se tudo for um sonho? Se nada disso existe e somos na verdade o resto do sonho de um poeta agoniado? Ou de um cruel assassino? Se não formos gente, mas formigas, fugindo do garoto rebelde que descobriu a nossa trilha e agora quer encontrar o formigueiro? *E se a chuva for a lágrima de Deus.* Deus tem cor?
Relatos esparsos golpeiam a minha mente. Busco flores e pássaros, encontro o vazio.  E o que faz o espantalho? Afugenta as aves, muitas morrem antes mesmo de viver. Em volta do espantalho, os corvos e os abutres crocitam, ferozes. “A felicidade é uma arma quente”, *eu prefiro andar amado.* As caminhonetes carregam rifles e bandeiras, basta um movimento em desacordo e o ruído é o estampido do gatilho. Muitos tombam, a maioria mulheres. *Agora o espantalho finge proteger as flores.* Na calada da noite, mesmo em plena luz do dia, seus asseclas esmagam as rosas, as pétalas que sobram se escondem no vento, enquanto a horda ensandecida grita o mesmo mantra: “espantalho, espantalho, espantalho!”.

Uma moça nova e desajeitada, escorando com o joelho o filho de colo junto à barriga, pede esmola no semáforo. O sinal estava aberto e fui embora. O sinal nunca fecha para quem tem fome, está sempre aberto para o escape dos veículos brilhosos. O sentimento de solidariedade vence o incômodo, resolvo separar um dinheiro, dar a volta, ajudar a moça desajeitada. As mãos dela tremem fazendo um barulho de moedas se chocando. Quando tento encarar os seus olhos, uma moto enorme para ao nosso lado, o sujeito acelera, faz barulho, é como se falasse: espantalho, espantalho, espantalho!

O enfezado homem de Deus fez companhia ao espantalho, foram ao velório sem pensar na defunta, queriam mesmo espalhar a ignomínia. Como dormem, com o que sonham? Para espanto dos súditos, o espantalho insensível, sorriu para o Rei enlutado. Não quero mais sentir essa dor. Melhor voltar ao meu anjo. Ele esteve ao meu lado diversas vezes, em fases distintas da minha vida, em cada passagem foi falando e acenando, cada vez mais velho e rabugento, derramando tantas penas das asas, aquelas que desde sempre juntei. E sem que ele percebesse, formei minha própria asa e hoje já posso voar sozinho. E quando voo, enxergo o futuro, posso ver as flores nascendo nessa primavera, a esperança se espalhando pelos campos até chegar às grandes cidades. Bem lá no fundo da floresta, no tampo esquecido dos tempos sombrios, pendura em um pau oco a figura desprezível do espantalho, molhado de chuva, esquentado pelo sol, sentindo frio, tentando em vão assoprar o cair das cinzas, o que restou do fogo da alegria. Mas há de se ter cuidado com o uivo dos coiotes, eles restaram e mesmo feridos, ainda sussurram: espantalho, espantalho, espantalho!...

Crédito: Campo Grande News