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sábado, 30 de abril de 2022
segunda-feira, 25 de abril de 2022
Pedaço de mim
Ismael Machado
domingo, 24 de abril de 2022
A esperança se põe ao meu lado...
sábado, 23 de abril de 2022
Súplica, de Marcílio Godoi
Hoje, mal coloquei os pés fora da cama e já me baixou uma vontade urgente, que amanheceu, aqui dentro, gritando feito bicho desesperado me subindo do peito, arranhando a garganta, querendo saltar pelas têmporas.
Acho que é uma espécie de síndrome de abstinência do Brasil verdadeiro: eis que me deu ganas de sair por aí abordando todos às ruas; senhora, o Brasil não é isso; garoto, o seu país é bem outro; por favor amigo, amiga, escutem, vejam, a nação brasileira não é assim!
Súbito, vivi o ensejo desejante irresistível de sacudir os ombros do motorista do aplicativo e suplicar a ele, cara, por favor me escuta, você já ouviu falar do Antonio Candido? Você sabia que você é contemporâneo da Fernanda Montenegro, sabia? tem noção de que o Darcy Ribeiro é seu conterrâneo? Seu conterrâneo!
Mesmo que parecesse louco, baixou-me essa vontade de ir à padoca e puxar conversa com o chapeiro sobre o Gilberto Freyre e seu malungo, o Nelson Freire, que tanto orgulho me dão de ter nascido brasileiro.
Sei lá, amanheci louco para pôr em roda umas crianças na praça e contar-lhes as histórias da Maria Carolina de Jesus e da Cora Coralina. Repartiria com elas o que disse, o que fez Nise da Silveira, Eunice Paiva, Zuzu Angel, Conceição Evaristo. Ah, tanta coisa linda, de chorar.
Chamaria, agora mesmo, para um boteco os amigos desconhecidos das redes sociais só para lembrarmos juntos de uns heróis nossos, tão recentes em nossa história, sem essa de Tiradentes e generais, mas o Herzog, o Rubens Paiva, o Betinho, Conselheiro, Zumbi dos Palmares, o Henfil. A Marielle, meu d'us, a Marielle...
Amanheci assim, querendo sair às ruas como um menino jornaleiro gritando nomes de caras ainda vivos, de quem tanto me jacto e nem posso, agora, dizer a eles; o Jorge Mautner, a Rita Lee, a Marilena Chauí, o Milton Santos, o Caetano, o Zé Celso, o Hermeto Pascoal, o Tom Zé, puxa vida, gente, esses caras são brasileiros. E estão agora, aqui, no nosso tempo, respirando o mesmo ar que nós.
Olha o Chico! Olha a Elis! Olha o Milton! Olha o Cartola! Olha o Gil! Olha a cara do Brasil! Eu iria saltando pela rua, os olhos arregalados dizendo aos transeuntes: Manja Eduardo Viveiros de Castro? Saca Antônio Callado? Portinari? Niemeyer? Clarice Lispector, pelo amor de d'us, não morra sem saber o que havia de política em seu subtexto!
Bateria em todos os ombros e interfones do bairro gritando na chuva: tem cinco minutinhos para ouvir a palavra de Paulo Freire? Sabia que você nasceu no mesmo país que o Mário de Andrade? E que o Tom Jobim é Brasileiro de Almeida? E o Villa; e o Vina?
Imagino-me cutucando desconhecidos no cinema, como na esquina, entregando panfletos revolucionários com poemas do Bandeira, do Cabral, do Quintana. Olha o poema brasileiro aí, gente! Aproveita, madame. Tá de graça!
Sei lá. Talvez que me prendessem, talvez que me internassem. Mas eu iria resistir, gritando aos carcereiros, aos enfermeiros, posso ler um trecho do Graciliano Ramos para o senhor? Sabe a Elza Soares, senhora? Já leu o Rosa? Moço, o Machado de Assis é brasileiro como você! E numa derradeira súplica, seguraria o braço do policial e muito a sério lhe diria, antes de ele conseguir me apagar, tentando fazê-lo acordar: não deixe de ler A Rosa do Povo, amigo!
Marcílio Godoi (Mestre em Crítica Literária pela PUC-SP)
sexta-feira, 22 de abril de 2022
Suburbano coração, de Chico Buarque
quinta-feira, 21 de abril de 2022
Vila rica de ouro preto
Para a Inconfidente Bárbara
Eliodora Guilhermina da Silveira
e aos mártires da Liberdade
1º
Ouso,
atrevo-me e escrevo as palavras proibidas por Rainer Rilke.
Assim,
digo dos amores perdidos, roubados, traídos, esquecidos.
Numa
licença poética, teço as dores para as quais
os
boticários não têm poções, fórmulas.
2º
Dores
de perdidos amores são de difícil manipulação...
só
o tempo... só o tempo... trará a cura para essas chagas.
Isso
é castigo que à dor me dá. É sina, é sino que se quebra
e
perde a melodia, torna-se em chacota e silêncio...
e
o sineiro, entristecido, perde, assim, o seu precioso ofício,
já
não o toca. Dele partido, sem qualquer sonido, batida,
eia
pois, o coração.
3º
A
traição, então, é punhal laminado, no peito cravado, ferrado.
Distante,
um dia, haverá um olhar, ele brilhará
após
as densas nuvens de lágrimas.
4º
Lágrimas
vertidas desejam expulsar em gotas
o
mar de dores no tórax, o qual desemboca no rio da vida
ou
nas turvas, pútridas águas da morte.
5º
Foi
assim: deitaram-se juntos, comeram, riram, festejaram,
viram
filmes, até os desentendimentos,
até
visitarem a sórdida Babilônia,
sem
mais jardins, sem flores.
Por
esses nubentes, nem os pequenos sinos repicam mais.
6º
Resta
ao pároco, ao moribundo dar-lhe uma extrema-unção,
também
às flores do mal, sobre as quais outras,
nem
sei se bem ou mal, nascerão.
É negra, negra, negra a
presença
do
sofrimento nessa Senzala, que me aponta os versos,
as
faces de Marília, de Dirceu.
de te buscar;
porém não vejo
mais que o desejo,
sem esperança
de te encontrar.
7º
Numa
forca foi o meu sentimento degolado, asfixiado,
agora
ai de mim ausente, triste somente,
que
as horas me dão solidão, elas me põem o peito em suspiros.
Em
bálsamos desejaria o corpo e a alma, inteiros, mergulhados.
8º
A
traição engendrou a morte da Liberdade, ela,
em moinhos triturou sonhos.
Sobre
eles um Queluz, uma Barca, pairam suspensos
acima
dos restantes sentimentos.
Dessas
treze cruzes desse mundo vil
gotejam
sangues, histórias, preces, memórias...
e
um anjo toalheiro vem secar a minha fronte transpirante,
amparar
o peito arfante.
9º
Sinto-me
aleijado com esse flagelado coração,
nestes
dias de perdição.
Esculpirei,
destarte, em detalhes, um novo órgão,
que
possa tocar o prazer, tocar o azul celeste
de
minhas acalentadas ilusões, o que de joelhos
peço
em meu oratório.
Evite-lhe a ocasião,
Que os males por si virão,
Sem ninguém os procurar,
E antes que ronque o trovão,
Manda a prudência ferrar.
10º
Pois,
embora diluso, nem sei de ir-me, do viver...
Sigo
enlouquecido de esperança!
De
girassóis e de ouro cravejam-se as estações celestiais,
além
de vida e de ressurreição.
Frente
ao espelho, com prudência, vestido de primavera, vai
um
infante subindo e descendo, da vida mal sabendo as ladeiras.
Vida
de amores não é brincadeira...
Ninguém soletre feições,
Que sempre há de enganar;
Das caras a corações
Há muitas léguas que andar.
11º
O
amor romântico, um ouro preto, pedra bruta
por
lapidar. Amor mesmo é raro topázio imperial
e
coroa as frontes dos veros amantes
numa
vila rica das cardeais virtudes.
12º
Os
sinos repicam, tocam, dobram.
Sob
vinte e sete sagrados sons encontro o Graal.
Neste
instante, no peito outrora arfante,
pende
uma cruz seráfica, com os seus três pares de asas
e
elas me levarão aos versos sublimados.
13º
Vejo
Serafins, ardentes em sacros-fogos, eles olham por mim.
De
tão perto, Lúcio e Bona avistam-me
com
os seus bem-casados olhos pios.
Provavelmente, a
primeira poetisa brasileira, cronologicamente,
da
qual se têm registros.
Codinome: Machado e Silva
(By: Ismael Machado)
Do livro Quatro Estações, 2018, Alfa Editora.
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quarta-feira, 20 de abril de 2022
Dance no fluxo do Universo
Inspirado no Salmo 149:3
"Louvem seu Nome com danças, cantem seus louvores..."
Dançar pode ser tão sagrado quanto orar, disse alguém com profunda sabedoria.
Tudo reside na intenção que nos move, no propósito que habita nosso coração.
Quando dançamos não movimentamos apenas o corpo, exercitando os músculos, expressamos também e, principalmente, a sensibilidade que nos vai na alma.
Dançando tornamos a vida mais leve e colorida, enchendo de graça e beleza a nossa jornada neste mundo.
Por alguns momentos esquecemos as dores, reencontrando a magia esquecida ou perdida, de viver.
A natureza é um permanente espetáculo de dança.
Dançam as borboletas em torno das flores.
A Terra e os demais planetas dançam em torno do Sol.
As árvores dançam com o vento.
Os passarinhos dançam no ar e os peixes bailam sem cessar.
Dançam os rios cruzando os vales e dança a chuva molhando a terra.
Dançam as ideias na inspiração do escritor.
Dançam as imagens na mente do pintor.
Dançam as formas na criação do escultor.
Dançam as notas na voz do cantor.
Dançam as células em nosso corpo.
Dançam os órgãos no compasso gerado pelas batidas do coração.
Dançam as sinapses sob a batuta desse formidável maestro que é o cérebro.
Não dance apenas para os outros, dance com os outros e consigo mesmo, harmonizando corpo e alma em cada movimento que fizer.
Dançando, as tristezas, dores, tensões e ansiedades vão ficando para trás e, no compasso de cada ritmo, vamos ao encontro de alegrias que sempre se renovam.
Dance quando estiver feliz e realizado.
Dance pelo prazer de dançar, em todas as estações e a cada estação que seu corpo passar.
E o que o seu dançar seja uma oferenda de amor ao Criador que, incessantemente, promove o espetáculo da vida: desafiador, misterioso, delicado, impactante e sagrado.
Não apenas assista, viva e sinta esse espetáculo que nunca sai de cartaz.
Dance hoje e dance sempre.
Cezar Braga Said
terça-feira, 19 de abril de 2022
Os de baixo, os de cima, poema dedicado a Florestan Fernandes
segunda-feira, 18 de abril de 2022
domingo, 17 de abril de 2022
Meu melhor amigo, amigo para a vida...
O meu melhor amigo morreu numa tarde triste de sexta-feira. O sol ainda era quente e o calor era intenso. Morreu de um jeito cruel. Vítima de um sistema político e religioso que não sabia entender que Deus prefere os miseráveis. Morreu porque amou demais; morreu porque não sabia mentir.
O meu melhor amigo não sabia ser indiferente. Viveu o tempo todo recolhendo os que estavam caídos e desacreditados. Ele foi um ser humano inesquecível. Entrava em lugares proibidos e dormia na casa de pessoas abomináveis. Trocou santos por Zaqueu, doutores por Mateus. Não se preocupava com o que os outros estavam achando dele, mas ocupava-se de sua vida como se cada instante vivido fosse o último.
Meu melhor amigo tinha o poder de ser irreverente. Ele olhava nos olhos dos fracassados e lhes restituía a coragem perdida. Segurava nas mãos dos cansados e os convencia que ainda lhes restavam forças para chegar.
O meu melhor amigo era desconcertante. Tinha o dom de confundir os sábios e encantar os simples. Eu, certa vez, também me encantei com ele. Chegou num dia em que eu não sei dizer qual foi. Chegou numa hora em que não sei precisar. Sei que chegou, sei que veio. Entrou pela porta da minha vida e nunca mais o deixei sair. Somos íntimos. Minha fala está presa à dele. Eu o admiro tanto que acabo tendo a pretensão de querer ser como ele. Já me peguei cantando para ele os versos de Tom Jobim: “Não há você sem mim e eu não existo sem você!” Ele sorri quando eu canto.
Meu melhor amigo me ensina a ser humano. Ele me ensina que a vida é uma orquestra linda, mas (às vezes) dói. Ele me ensina a apreciar os acordes tristes... e aí dói menos. A beleza distrai a tristeza. Foi assim que eu assisti à sua morte na sexta-feira Santa.
Eu sabia que era passageira. Era apenas um interlúdio feito de acordes menores, dilacerantes de tão tristes. Meu amigo não sabe ser morto. Ele gosta é de ser vivo, vivente! E é assim que eu entendo a dinâmica da Ressurreição.
Quando digo: “Ele está no meio de nós!” eu estou convidando o meu amigo a ser vivo através de mim. Quem ama, de verdade, leva sempre a criatura amada por onde vai. E é assim que o amor vai se tornando concreto no meio de nós. É assim que a vida vai ficando eterna... e a gente vai ressuscitando aos poucos...
Hoje, eu acordei mais feliz. Nada de especial me aconteceu. Apenas me recordei de que meu melhor amigo ainda acredita em mim, apesar de tudo. Eu sou um legítimo representante de sua ressurreição no mundo. Não posso me esquecer disso. As pessoas olham para mim... eu espero que elas não me vejam... eu espero que vejam o meu melhor amigo, em mim.
Pe. Fábio de Melo
Esse grande e longo abraço
sábado, 16 de abril de 2022
Vê, aqui | há noites | em que me desconheço
|||
Tudo gigante,
acelerado,
polarizado,
e eu aqui,
miúda,
passageira,
esparsa,
alucinando cores
para significar
os dias.
|||
Vê,
aqui,
há noites
em que me desconheço.
Há floresceres que
eu desperdiço
na ânsia de calcular os passos.
Cuida dos meus olhos
enquanto me for escuro
realocar desejos
nas paredes do coração?
|||
Eu tenho medo
que a gente se acostume.
Que os ruídos,
os gestos,
os semblantes
não sejam mais
atalho para as nuvens.
Que nosso olhar
um para o outro
seja enviesado,
e que as biografias
tropecem nas diferenças
e se machuquem.
Eu tenho medo que o mundo seja tão grande que, sedentos por desbravá-lo,
nos esqueçamos de cultivar constelações
no teto do nosso quarto.
||| Patrícia Pinheiro tem 26 anos, é natural de Santa Maria — RS, morando em Florianópolis -SC. É formada em Psicologia e amante das palavras. Poeta e escritora, compartilha seu trabalho em suas redes sociais, é colunista do site "Conti outra" e está trabalhando em seu primeiro livro de poesia.
sexta-feira, 15 de abril de 2022
No Louvre, com Monalisa e infinitas obras de arte
quinta-feira, 14 de abril de 2022
terça-feira, 12 de abril de 2022
segunda-feira, 11 de abril de 2022
domingo, 10 de abril de 2022
sábado, 9 de abril de 2022
O corvo, de Edgar Allan Poe, tradução de Fernando Pessoa
Vagos curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
“Uma visita”, eu me disse, “está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais.”
Ah,
que bem disso me lembro! Era no frio dezembro
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu’ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P’ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais –
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!
Como,
a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundindo força, eu ia repetindo:
“É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isto, e nada mais.”
E,
mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
“Senhor”, eu disse, “ou senhora, de certo me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo
Tão levemente, batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi…” E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.
A
treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais –
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse os meus ais,
Isto só e nada mais.
Para
dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
“Por certo”, disse eu, “aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais.
Meu coração se distraia pesquisando estes sinais.
É o vento, e nada mais.”
Abri
então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um Corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nenhum momento,
Mas com ar sereno e lento pousou sobre os meus umbrais,
Foi, pousou, e nada mais.
E
esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
“Tens o aspecto tosquiado”, disse eu, “mas de nobre e ousado,
Ó velho Corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais.”
Disse o Corvo, “Nunca mais”.
Pasmei
de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivêssem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos seus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome “Nunca mais”.
Mas
o Corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento,
Perdido murmurei lento. “Amigos, sonhos – mortais
Todos – todos já se foram. Amanhã também te vais.”
Disse o Corvo, “Nunca mais”.
A
alma súbito movida por frase tão bem cabida,
“Por certo”, disse eu, “são estas suas vozes usuais.
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entorno da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp’rança de seu canto cheio de ais
Era este “Nunca mais”.
Mas,
fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu’ria esta ave agoureira dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele “Nunca mais”.
Comigo
isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sombras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sombras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!
Fez-se
então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dêssem, cujos leves passos soam musicais.
“Maldito”, a mim disse, “deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz êsses teus ais!”
Disse o Corvo, “nunca mais”.
“Profeta”, disse eu, “profeta – ou demônio ou ave preta! –
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, e esta noite e este segredo
A esta casa de ânsia e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!”
Disse o Corvo, “Nunca mais”.
“Profeta”,
disse eu, “profeta – ou demônio ou ave preta! –
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais,
Dize a esta alma entristecida, se no Éden de outra vida,
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!”
Disse o Corvo, “Nunca mais”.
“Que
êsse grito nos aparte, ave ou diabo”, eu disse. “Parte!
Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!”
Disse o Corvo, “Nunca mais”.
E
o Corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda,
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha dor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão mais e mais.
E a minh’alma dessa sombra que no chão há de mais e mais,
Libertar-se-á… nunca mais!
Edgar Allan Poe
sexta-feira, 8 de abril de 2022
Deus-Índio, de Lobivar Matos
quinta-feira, 7 de abril de 2022
Alma de gato...
Acredito que espreguiçar é uma arte. O barulho me incomoda; a boa música me encanta. Amo aqueles que me respeitam; respeito aqueles que amo. Adoro uma baguncinha. Quando o carinho é bom, fecho os olhos pra aproveitar. Quando a companhia é boa; abro o coração pra acompanhar.
Tenho mesmo alma de gato; minha liberdade é um valioso bem. Tenho sete vidas, com certeza. E, com certeza já gastei algumas. E, aprendi... a andar devagar, a relaxar diante de quem confio e a entender que quando a alma arrepia pode ser por prazer, mas pode ser por estar em perigo também... ainda estou aprendendo a distinguir os dois."
Do site Prefiro Bicho do que Gente (Autor desconhecido)