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quarta-feira, 20 de maio de 2020

No outono...

No outono, jazia o fruto da árvore plantada pelos meus desatinos. 
Fruto nem sempre amargo, às vezes, agridoce, 
levado pelas correntezas dos ventos nos bicos dos sabiás. 
Fruto de erros amarelecidos pelos fados sacrificiais, 
no caminho de folhas e de sinais na senda. 

No outono, o sol estenderá suas mãos em dádivas
a saciar a fome do povoado de esperanças. 
Os pássaros depois de saciados falarão com os homens e 
ambos compartilharão o mesmo teto de estrelas, sem delimitações. 
No outono, direi ao amado sol que a noite dos meus sonhos 
irá amanhecer colorida pelos frutos da estação, 
cujas sementes frutificaram no ventre da mulher o rebento de vida colossal.

O grão de poeira-semente caiu no vão da terra e germinou o verso, 
o reverso que se abriu do chão e voou para a imensidão do Universo. 
Vida e verso estão nas eras, nas estações de gerações. 
Vida e verso também frutificam e dão-nos os frutos diversos 
de comer e fartar a alma cansada dessa longa jornada. 
Quando as árvores se despirem, delas tomarei as folhas em asas e 
em alas abertas planarei com vestes de cores outonais. 

Na estação alaranjada pelo mesmo sol, 
a manhã nascerá encantada em vastos campos de trigo 
à clara luz do meio-dia; ali voará a liberdade 
aos olhos dourados do tempo aclamado de viver e se fartar do bem e do belo.

Ismael Machado
Do livro Quatro Estações, 2018, Alfa Editora.


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