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domingo, 23 de dezembro de 2018

O amor ainda em estado sólido - Parte I

(Maria Julia e Arnaldo: pais)

Aos meus amados, muito além de suas bodas de ouro:
1)       Pais: Maria Julia e Arnaldo;
2)       Padrinhos: Letícia e Antônio
3)       Tios: Nilza e Rui, Nadir e Jacinto
4)       Amigos e vizinhos: Dolores e Zezinho, Martina e Odilon
5)      Parentes pelo coração: Inêz e Antonio
6)      Também dignos de admiração: Rosita e Oswaldo

Parte 1

Aos vinte e poucos anos as juras de eternidade,
um pelo outro, aos giros da lua de prata,
encantados e aos olores dos corpos
encharcados dos melhores perfumes que embriagam os leitos.

Fizeram-se duradouros travesseiros
daqueles braços de homem, braços de mulher,
os quais embalaram compromissos duma vida, inteiros,
celebrados em vivas letras, além dos meros contratos,
das simples certidões cartorárias daquelas uniões.

Cinquenta anos de casados não darão conta de conhecer
o ente ao lado dormente.
Nesse icto, corrente, passante, coisa quanta acontece,
a lua com suas fases reinantes sobre as cabeças
e os corpos daqueles nubentes,
nos seus sentimentos, de todo ainda crentes.

Day by day e o suceder das primaveras, verões,
outonos e invernos, estação após estação,
sob o mesmo teto de humores variáveis e, de afetos,
colocados na ampulheta do tempo,
provados no cadinho das horas, das circunstâncias.

Sobejam alegrias, frustrações, dificuldades, tristezas, nascimentos,
mortes, encontros, amizades, despedidas,
num sem fim de acontecimentos sob o sol, ano após ano,
bebendo o vinho da videira que não dessedenta a sede de viver.

Cinquenta anos e os bem-casados doces
ainda apetecem ao paladar, ao lado do convite para as bodas,
amarelado pela memória, guardado no baú
ou no repositório das lembranças mais ternas,
dos sonhos acalentados e que heroicamente
subsistiram resilientes, persistentes, insistentes, resistentes.

O amor é o lugar onde o respeito, o companheirismo,
a amizade vão além da mera beleza física, essa névoa-nada,
além do ter, além da libido, o amor não tem tempo.
Quando jovens jazia o afeto mais puro e ainda agora
demonstra-se o jeito cuidadoso, amoroso, no trato, nessa alteridade,
inda que em face à avançada idade.

Será esse amor um milagre? Por certo a morte virá,
cedo virá, e as araras dirão de suas vidas azuis, vermelhas, amarelas,
juntas e inteiras, em algazarras cinquentenárias,
dirão dos amores vividos, dos filhotes crescidos,
dirão dessa nossa humana natureza,
nossa desconhecida, elas dirão do que em nós faz
se torne um rebento do que é sagrado.

Mera quimera e sonho e pó, vai-se o tempo,
vai o tempo da alma ligada ao corpo por um fio,
só o amor permanece, livre das quantas amarras do egoísmo,
e não se conspurca na língua dos homens impuros,
o amor é mesmo mistério
que as ciências não dão conta de desvendar,
nem Freud conseguiria em suas pesquisas psicanalíticas.

Bondade, fidelidade, lealdade, nessa rima benigna,
para-além do verso, o amor suporta a passagem lenta do tempo,
esse fruto maduro na velha mangueira do quintal lá de casa,
que ao paladar apetece e que se não esquece jamais,
nem mesmo tantos anos após a partida do bem-amado.

Retratos foram craquelados no tempo inacabado
dessas vidas grávidas pelo sêmen da eternidade,
crescidas, construídas pela perenidade.
Que sentimento é este que sequer a maldade do tempo
conseguiu apagar, apartar?

Ismael Machado
(Continuará na Parte II)

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