Do experimentado diretor, Jair Damasceno, e de sua maravilhosa
trupe teatral, a peça Salomé F.P. trata-se duma recriação da obra do grande
poeta e dramaturgo, Fernando Pessoa. Aliás, um trabalho magistral, que já
encantou Campo Grande e poderá encantar o Brasil e, oxalá, Portugal e outros
países. Por que não dar asas ao sonho? Ainda que o sonho seja apenas um perfume
ou um vinho de luar a nos embriagar! Para quem sonha não há hora e o vir-a-ser pode se dar num repente...
Bem assim, Salomé nos
instiga ao encontro do sonho, traz-nos reflexões, provocações, inspirações,
medos, nos desperta para a vida, nos confronta em nossas humanidades, nossas
fugas. Salomé é, ou bem pode ser, o espelho de nossas imperfeições, olhando nos
nossos olhos, a pedir-nos a cabeça numa salva de prata. Ela, justamente, com sua fronte coroada de sombras, nos
faz tremer como folhas ao vento num chão de pedras.
Um espetáculo para os
melhores palcos. Assim, pois, que rufem os tambores, o Pessoa vive em nós,
podemos vê-lo, quase apalpá-lo, sua lúcida loucura, em Salomé.
Do estático ao êxtase, no
teatro, acontece um desnudar-se de quantas vestes da hipocrisia, cujas orlas
cobrem o gênero humano, é o que bem incorpora cada actor-personagem em cena, cuja in-completude,
talvez, somente se complete na tela mental do expectador activo.
Do mito cristão à poética do
Pessoa e agora em novas roupagens, Salomé, a nossa pergunta entre o onírico e o
real, vida e sonho que se fundem de modo espetacular no labirinto de quem
somos.
Que o bocadinho de bem e de mal, do Baptista e de Salomé, a reger nossas
entranhas, nos viabilize alhures, ao menos sonhar, criar, recriar, além dos
pesadelos que, vez ou outra, nos visitam, sem sequer avisar. Porque a vida é sonho e o que nos mata é o
despertar, tal o escrito de Virginia Woolf, numa intertextualidade com
Shakespeare, alertando-nos de que somos
feitos da matéria dos sonhos. Acaso Salomé F.P. saberá disso tudo? Saberá
de nós o porquê, o ser ou o não ser?
Com ou sem fingimento, se a
sua alma não é pequena, lembre-se de ver essa peça, porque, de facto, vale a pena!
Ismael Machado
Poeta, escritor e editor
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