Constitui lugar comum dizer que a literatura nasce da literatura. No entanto, o aforismo é melhor e prazerosamente constatado quando lemos nos grandes escritores, ou nos escritores promissores, como é o caso de Ismael Machado, que, com o livro, Folhas de Março, ilustra excepcionalmente a maturidade do jovem escritor. Escrito com a paciência e a sensibilidade que o tempo exige, resultado de anos de reflexão, o livro dá testemunho de que por amor de um verso é preciso viajar longe, e muito. Viagem espacial, no sentido geográfico, ou viagem interior, no sentido de aprofundamento das leituras, da vivência do próprio escritor. Esta é, a meu ver, a primeira e maior qualidade dos textos reunidos neste livro de Ismael, que tenho a graça de ler e de apresentar ao público leitor.
Uma outra característica deste livro, não menos importante do que já se assinalou, diz respeito à escolha e seleção da forma técnica que abriga os conteúdos da imaginação poética. Ao privilegiar a pluralidade de possibilidades plásticas na formatação destes textos, a obra se redimensiona em leveza e em valorização do papel do leitor, que é convidado, assim, a exercer a função de criador e colaborador da produção de sentido, uma vez que a organização das frases, dando relevância ao modo paratático do signo literário, age como “grafitos” diante dos olhos e na mente do leitor. Isso demonstra assumida recusa à obediência aos gêneros bien-tranche e sobretudo revela a visão crítica do autor, herdeiro de uma tradição que remonta a Fernando Pessoa, rompendo com o invólucro para permitir dizer-se sem nenhum preceito como a priori do conteúdo literário propriamente dito.
Com tais qualidades, o livro de Ismael Machado é a realização de um projeto literário de relevância e produtividade para a literatura da atualidade. Principalmente pelo reconhecimento de um talento que já se podia perceber nos estudos voltados para as Letras, nos seus primeiros escritos e no seu próprio testemunho de vida devotada à leitura e ao interesse pelas grandes obras da literatura. Quem o conheceu, ainda mais jovem, vindo de sua “cidadezinha” (drummondiana), sabe que ele trazia na bagagem farto material poético, que não só serviria à realização deste projeto, mas que também veio fortificando o trajeto de crescimento e experiências que formaram a personalidade do honnête-homme que constitui o autor deste livro.
Ao ler Folhas de Março, o leitor compartilhará da sabedoria do jovem poeta que escreve com suas próprias vivências, consciente de que “escrever é um ato tanto íntimo quanto o sexual” e de que “Nem só de leituras se faz a escrita. De vida toda ela se faz”, como se lê nos versos e nas entrelinhas deste livro.
Paulo Nolasco
Professor de Teoria e Crítica Literárias na UFGD
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